O laboratório da caos é aqui, então está na hora de você perceber que é o rato.

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Pra começar essa conversa e não sermos repetitivos quanto ao assunto, vamos apenas fazer um breve resumo histórico sobre como funciona a dinâmica do arrocho repressivo do Estado. A receita não muda muito:

  • a violência aumenta significativamente na cidade/Estado/país geralmente causado por uma proposital e motivada displicência das forças de segurança, justamente para que a população sinta sua falta. Nessa parte da receita entram as greves da PM, notícias falsas como as de que o último carnaval a violência foi maior (quando as estatísticas não afirmam isso) ou mesmo o aumento de notícias de casos cotidianos até então ignorados pela mídia. Nisso tudo, os veículos de comunicação possuem importância vital;
  • a sensação de insegurança e o medo aumenta e essa informação se torna um espetáculo televiso. Afinal, que país que queremos? “sem violência” “sem corrupção”, repetidas frases feitas de respostas previsíveis, genéricas e facilmente preenchíveis por um discurso heroico, bélico e silenciador;

  • a população implora proteção;

  • o Estado entra em ação com total legitimidade;

Com um Estado policial forte, uma polícia sem medo de punição e uma população confiante em suas ações, QUALQUER atitude é justificável.

O bolo está pronto. Um bolo, fofo e indigesto.

Agora tem uma coisa sobre a qual ainda não conversamos. Em 2011 o Banco Mundial publicou um dos mais importantes relatórios dos últimos anos. Esse documento é um dos mais lidos do gênero e tem o objetivo de usar de algumas pesquisas de origem duvidosa para propor uma agenda política aos países membros. Pois bem, precisamos lembrar que em 2008 nós tivemos uma grande crise, que abalou não só economicamente, mas politica e socialmente o mundo. Depois dela levantes populares na Europa e no mundo inteiro questionaram os governos, a representação política e o sistema capitalista. Depois disso o mundo não foi mais o mesmo. Esse relatório intitulado “Conflito, Segurança e Desenvolvimento” chamava a atenção para a necessidade dos governos recuperarem a confiança das suas populações para assim gerirem os conflitos e garantirem a segurança do mercado. O eixo central era a necessidade de assegurar que esse período de fortes rearranjos na economia pudesse fluir em uma direção favorável, que só seria possível por meio de uma nova alavancada neoliberal. A partir disso os esforços que já vinham desde antes (lá dos anos 90) criam outro fôlego, afinal, o contexto social se modificou, os povos do mundo inteiro já não estavam tão mansos, portanto aquilo que chamam de “desenvolvimento” precisaria de uma maior rigidez pra acontecer.

Em 2013 o Brasil voltou a ver uma revolta popular sem fio condutor, salve as especulações e o tema do estopim “a revolta dos 20 centavos”, são tantas as razões advindas do caos urbano que a luta pela cidade causou, que não é possível falar exatamente o que deu origem às revoltas populares que tomaram as ruas de todo o país, mas é possível sim afirmar que se tratou de uma insatisfação generalizada, impulsionada por muitas dores e a percepção de que o povo tem mais força do que nos lembrávamos. Em 2014 aqui no Rio de Janeiro 28 prisões políticas foram sancionadas, além de diversas medidas para criminalizar politicamente e legalmente, como por exemplo a lei anti terrorismo, como um último grito do governo Dilma em provar que conseguia ter pulso firme pra bancar as reformas mas não deu certo, o governo caiu, mas já foi possível medir a reação do povo a para quando for necessário punir juridicamente movimentos sociais. Veio outro governo e executou sem dó o já putrefato cadáver social. Iniciou a tão sonhada (por eles) reforma da previdência. Diversos direitos ceifados e, mesmo com todos os esforços da mídia, o povo não se aquietou. A missão de “recuperar a governança” não aconteceu como mandava o roteiro.

Chegou a hora de voltarmos ao nosso ponto de partida. Afinal, o que a intervenção tem a ver com isso? Nenhuma ditadura se faz sem que a população apoie ao menos parcialmente. A repressão sempre tem dois braços: a violência e o convencimento.

O Rio de Janeiro era o laboratório perfeito: fácil de propagar o medo e historicamente caótico. Ficou fácil, depois do bolo pronto:

21 fevereiro 2018 – INTERVENÇÃO MILITAR

27 dias depois – ASSASSINATO DE UMA CONHECIDA FIGURA PÚBLICA, SÍMBOLO DA LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS.

A morte da Marielle veio a calhar quando perceberam que já tinham vencido a primeira batalha (intervenção).

Nas palavras do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, é preciso ter “garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade“.

Em um meticuloso trabalho de artesão teceram o véu. Garantiram apoio popular comprovado na mídia “a população apoia a intervenção”, disse tantas vezes a TV Globo. Então usaram como exemplo uma figura pública, não disfarçaram, não forjaram um assalto, deixaram rastros de uma execução e assim ameaçaram todas e todos aqueles que ousarem ir além do discurso, como fez Marielle.

Não ousamos aqui dizer que se iniciaram novos tempos de chumbo, porque não lembramos de nenhum tempo de flores, mas precisamos nos atentar a mudança do roteiro.

Se o pobre, o preto, a mulher, a população LGBT, já tem um alvo nas costas, os que gritarem mais alto denunciando o alvo, ganhará mais três alvos ainda maiores. É por isso que não é hora de calar e sim de se articular em lutas de classe, de raça, de gênero e de quantas mais forem necessárias. É importante ressaltar que o motivo que levou Marielle ser executada de forma premeditada foi o fato de ser uma defensora dos direitos humanos. Foi escolhida por ser um alvo mais fácil dentre muitos outros, afinal nossa sociedade legitima diariamente a morte de pretos, de mulheres e LGBT’s.

É preciso encarar a situação como ela é. Estamos em uma guerra e numa guerra é preciso um escudo, uma espada e uma tática. Se o silêncio continuar, esteremos colocando mais Marielles como alvos, porque quando poucos se levantam, é fácil avistar o alvo, mas se uma multidão se levanta, é difícil saber em quem mirar.

Hoje completam-se 31 dias de sua execução. Que nenhum dia se passe em silêncio. Que Marielle não seja esquecida. Que nenhum dos nossos caia sem que haja resposta a altura. Que a luta continue.

Se nos fazem de rato, é preciso matar o gato.

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